Saiba como os tribunais entendem a relação entre a Uber e os motoristas e os elementos que reforçam as ações trabalhistas.

Com a atual crise econômica, a plataforma Uber vem sendo uma boa alternativa de renda aos trabalhadores brasileiros.
A multinacional norte-americana foi fundada em 2009, e presta serviços eletrônicos na área do transporte privado urbano em mais de 100 países.
O uso de novas tecnologias tem provocado mudanças nas relações de trabalho e suas particularidades tem gerado muitas divergências.
Abrindo perspectivas para a busca de direitos na justiça do trabalho brasileiro contra a plataforma.
Neste artigo estaremos mostrando as posições tomadas pelos desembargadores, pela defesa e pela plataforma para ações trabalhistas que não devem parar por aí.
Polêmicas em torno da plataforma Uber
No Brasil, o aplicativo Uber já está consolidado em mais de 60 cidades e sua chegada nos países onde tenta aportar é sempre tumultuada.
Isso pela concorrência que gera, em especial aos serviços de táxi, e também pelas questões relacionadas a sua relação de trabalho.
O sistema da plataforma não pretende manter nenhum vínculo trabalhista com o motorista, mas atua num sistema de parceria/cliente.
A justiça brasileira por sua vez, mesmo com toda a polêmica tem liberado a atividade do aplicativo nas cidades.
Mas por outro lado, está tendo que arcar com o peso de ações que começam a surgir na justiça do trabalho contra a plataforma.
Como acontece o processo de contratação na Uber
O processo de “contratação” na plataforma Uber é “envolvente”.
Segundo o site, você será um parceiro autônomo, mas para isso precisa concordar com as exigências relacionadas em um pré-contrato unilateral proposto.
São elas:
- ter carro de 4 portas e 5 lugares com ar condicionado, com data de fabricação superior a 2008;
- Não serão aceitos adesivos;
- Placa vermelha (utilizada por motorista profissional autônomo que no caso,não pode aderir ao sistema de contratação da Uber);
- Pick-ups, vans e caminhonetes também não são aceitos;
- É exigido que seja adicionado o termo “EAR” à sua CNH, ou seja, o candidato à vaga deve alterar seu cadastro no Detran para incluir que exerce atividade remunerada como motorista;
Podem ser cadastrados carros de cinco lugares, com ar condicionado e nas cores cinza, prata ou preto.
Após o motorista acordar com estas condições, o candidato encaminha uma ficha de registro, fotografia, CNH e outras informações para prévia avaliação do empregador e final decisão sobre a contratação.
Se passar pelas exigências, depois terá que seguir a tabela de preços e descontos sobre cada corrida.
E para esta não é possível negociar o frete, nem a corrida.
O passageiro sim, recebe com antecedência o valor da corrida e pode decidir se aceita o valor ou não.
Não valendo o mesmo para o motorista.
Modalidades Uber no Brasil
A Uber disponibiliza no Brasil seus serviços em três modalidades: o UberX, Uber Select e o Uber Black.
O motorista escolhe em qual delas deseja trabalhar, desde que o veículo tenha a permissão da empresa em cada uma delas.
No UberX são aceitos veículos de modelo mais simples e até mesmo os considerados populares.
O valor cobrado pela corrida é mais baixo, ficando em torno de 35% mais barata.
No UberSelect, o usuário conta com carros mais confortáveis.
Os veículos são novos e com mais espaço.
O valor do serviço sobe, em média, 20% em relação às corridas feitas com o UberX.
Além de ser uma nova opção para o consumidor, a novidade também é uma forma de recompensar os motoristas que possuem automóveis melhores.
Ele aceita veículos menores, de várias cores, e não exige bancos de couro.
Se comparada ao Uber X, a corrida é 20% mais cara.
No UberBlack, os motoristas devem oferecer o máximo de conforto aos passageiros.
Esse tipo de serviço só pode ser ofertado se o carro tiver menos que três anos de uso, bancos de couro, ar condicionado, cor preta e que seja sedan.
Os motoristas da Uber não recebem o valor integral das corridas.
Para os do UberX é repassado 75% do total, enquanto que para os motoristas do Uber Black essa porcentagem é de 80%.
O salário do motorista Uber é pago semanalmente dentro dessas condições.
A quantia descontada segundo a plataforma é para a manutenção do aplicativo.
Uberização

Um dos mais recentes casos e que voltou a atenção do país para ações contra a plataforma foi a decisão do juiz Márcio Toledo Gonçalves, da 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.
A decisão final reconheceu vínculo de emprego entre um motorista e o aplicativo de transporte Uber.
A ação foi fundamentada numa decisão que rendeu 46 páginas.
Nela estão apontados os elementos de certeza, com provas coletadas e ampla jurisprudência atual sobre as novas relações de emprego na era da internet e ainda, aplicando o princípio da primazia da realidade.
O juíz chegou a criar o termo “uberização” e sobre ele propôs uma jurisprudência com potencial para modificar a relação entre milhares de profissionais e a empresa.
Para ele, o atual sistema de trabalho que vem se colocando ainda é específico.
Mas possui potencial para generalizar todos os setores da atividade econômica.
“A ré destes autos empresta seu nome ao fenômeno por se tratar do arquétipo desse atual modelo, firmado na tentativa de autonomização dos contratos de trabalho e na utilização de inovações disruptivas nas formas de produção”, ressaltou Toledo Gonçalves.
Tribunal vê evolução natural da tecnologia
Mas a desembargadora Maria Stela Álvares da Silva vê o aplicativo como um desenrolar natural da evolução da tecnologia.
“Não é possível se esconder da realidade, ou dela se escapar.Havendo novas possibilidades de negócios e de atividades pelo desenvolvimento da tecnologia, das comunicações, das transferências de dados e informações, haverá uso delas.E isso servirá como ferramenta, inclusive em oferta de bens e serviços de natureza antes impensáveis ou inviáveis de serem colocados em prática, gerando novo conceito de negócio ou novo objeto de negócio.Neste cenário é que surgem novos objetos de negócios e uso e ampliação de utilização de aplicativos como o Uber e o Airbnb (na área de hospedagem), por exemplo, que estabelecem contato direto entre consumidores e fornecedores.E, também, não se pode olvidar que conseguem fomentar ganhos expressivos em eficiência, custo e comodidade nas transações para seus usuários”, argumentou a desembargadora.
Tribunal não reconheceu vínculo
Mesmo com todos os recursos, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região reformou a decisão e em unanimidade não reconheceu vínculo por não ver pessoalidade nem subordinação na relação.
Para Maria Stela Álvares da Silva Campos, a impessoalidade na relação entre motorista e Uber fica clara pelo fato de que outra pessoa pode dirigir o mesmo carro, sendo que basta um cadastro no aplicativo para isso.
“A existência desse cadastramento não interfere no requisito em análise.
Importa é que o veículo do autor era dirigido por ele e por outros, e ainda, que era possível cadastrar para o veículo um motorista auxiliar.
A reclamada não exigia que fosse o autor e apenas ele a conduzir o veículo”, esclarece Maria Stela.
Outra impessoalidade percebida está na possibilidade de usar o aplicativo como pessoa jurídica e ser até mesmo dono de uma frota.
Além disso, a desembargadora considerou também haver eventualidade:
“considerando que o objetivo do aplicativo desenvolvido e utilizado pela reclamada é conectar quem necessita da condução com quem fornece transporte.
Inexiste escolha por veículo ou seu condutor, acionados quaisquer motoristas disponíveis próximos ao local do chamado”.
Quanto à subordinação, a magistrada também não a reconheceu.
“Não se concebe relação empregatícia em que o empregado delibere permanecer afastado do serviço, por conta própria, por meses, a ele podendo retornar”, escreveu.
A desembargadora afirmou que:
“o objeto social da reclamada refere-se ao fornecimento de serviços de contatos entre pessoas que necessitam de transporte e pessoas que se dispõem a fazer esse transporte, que o desenvolvimento da tecnologia possibilitou, e não o transporte de passageiros”.
Autonomia, flexibilidade e independência
A empresa, por sua vez, alegou em sua defesa, a inexistência de uma relação empregatícia baseada na autonomia, flexibilidade e independência que são asseguradas aos motoristas parceiros.
A argumentação trouxe que a empresa não possui frota.
Que os motoristas não são seus empregados, mas seus clientes, e que eles podem trabalhar em qualquer dia, horário e local para todas as plataformas.
A empresa também afirmou no tribunal que os motoristas podem conceder descontos sem autorização.
E que eles “assumem os riscos de seus empreendimentos, cabendo a eles combustível, lubrificante, manutenção e outros”.
A Uber defendeu que “não explora serviços de transportes, e é sim a plataforma tecnológica de mediação entre passageiros e motoristas”.
No entanto, essa argumentação não foi aceita para afastar a condenação.
Em especial porque em matéria trabalhista privilegia-se o que ocorre de fato e não o que está acordado entre as partes.
Princípio da primazia da realidade
A ação trabalhista foi fundamentada numa decisão que rendeu 46 páginas.
Nela estão apontados os elementos de certeza, trazendo provas coletadas e ampla jurisprudência atual sobre as novas relações de emprego na era da internet e ainda, aplicando o princípio da primazia da realidade.
Ele destaca justamente que “o que vale é o que acontece realmente e não o que está escrito.
Neste princípio a verdade dos fatos impera sobre qualquer contrato formal.
Ou seja, caso haja conflito entre o que está escrito e o que ocorre de fato, prevalece o que ocorre de fato”.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) define empregado como:
“toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.
Nesse sentido, os elementos que reconhecem o vínculo de emprego são pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação.
Autor da ação contra a Uber

De acordo com o G1, o processo foi aberto em setembro de 2015 por Wagner Oliveira.
Desempregado, ele comprou um carro e passou a atuar como motorista da Uber.
Só que para isso, o motorista diz ter gasto R$ 140 mil, a fim de atender os requisitos da empresa.
Passados oito meses, Wagner foi desligado por receber más avaliações dos passageiros.
E nisso, ficaram as dívidas e nenhuma rescisão ou vencimentos a receber.
Com a ação prestes a ser decidida, e audiência marcada para ocorrer, uma testemunha da Uber não pode comparecer.
Então a mesma foi remarcada para julho de 2017.
O que pensa a defesa do motorista
O advogado de Wagner traz que o contrato da Uber com seus motoristas atende aos fatores fixados na lei trabalhista para definir um vínculo de trabalho:
- relação entre empresa e pessoa física;
- pessoalidade (só o motorista pode dirigir);
- onerosidade (a remuneração é feita pela empresa);
- não eventualidade (o serviço não é prestado de forma esporádica);
- subordinação (os condutores têm de respeitar as regras da Uber).
A relatora Maria Stela Álvares da Silva trouxe ainda que considera estranho o fato de o trabalhador estar atualmente:
“vinculado ao Cabify, que funciona da mesma forma que a Uber, ligando pessoas que necessitam de transporte a motorista que se dispõem a fazer o transporte.
Não há fraude e sim opção do motorista em se cadastrar e receber clientes pelos aplicativos, dentre os quais a reclamada”.
Repercussão
De acordo com Paulo Acras, presidente da Associação dos Motoristas Autônomos por Aplicativos (AMAA), que comemorou a decisão judicial em primeira instância.
“Acompanhei a luta do associado.
Foi algo como Davi contra o gigante Golias, pois envolveu a Uber do Brasil e a matriz do exterior”, contou.
“Não é serviço para ‘complementar renda’.
Você tem que trabalhar no mínimo 13 horas para pagar a locação ou a manutenção do veículo, o combustível, a alimentação”, observou Acras.
“O juiz foi muito correto na decisão”, completa.
A Uber informa que “cerca de 50% dos motoristas parceiros trabalham menos de 10 horas por semana”, e reforça que os motoristas são independentes.
Questão internacional
Na Inglaterra, um tribunal trabalhista inglês decidiu que os motoristas da Uber não são autônomos, mas funcionários do aplicativo.
Por isso, devem receber salário mínimo, aposentadoria e férias remuneradas.
Muitas ações trabalhistas em tramitação no Brasil
Há quase um ano, já tramitavam na justiça do trabalho no Brasil, 9 ações trabalhistas contra o Uber.
Na sua maioria, as ações pedem pelo reconhecimento de vínculo empregatício.
Ou seja, anotação do vínculo na carteira de trabalho e todos os direitos trabalhistas como férias e 13° salário.
O Brasil vem sendo apontado pela Uber como um dos mercados mais estratégicos e isso é importante para a sociedade e é claro, para a plataforma.
Pagar menos pelo serviço de transporte privado e obter uma experiência satisfatória no serviço é o que o consumidor final quer.
E se isso é o que está sendo oferecido pela Uber, então não tem jeito mesmo.
Enquanto ações trabalhistas são criadas e discutidas judicialmente, por outro lado, a sociedade segue apostando naquilo que trouxer o melhor custo benefício e nos mais diversos serviços oferecidos pela nova era da tecnologia.
E você? De qual lado está? Comente!
A decisão da ação pode ser lida aqui.
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Temas que abordamos nessa página:
- 1 Polêmicas em torno da plataforma Uber
- 2 Como acontece o processo de contratação na Uber
- 3 Modalidades Uber no Brasil
- 4 Uberização
- 5 Tribunal vê evolução natural da tecnologia
- 6 Tribunal não reconheceu vínculo
- 7 Autonomia, flexibilidade e independência
- 8 Princípio da primazia da realidade
- 9 Autor da ação contra a Uber
- 10 O que pensa a defesa do motorista
- 11 Repercussão
- 12 Questão internacional
- 13 Muitas ações trabalhistas em tramitação no Brasil
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