Briga jurídica entre advogados de João Dória contra Facebook leva juiz a autorizar a revelação de IPs das máquinas dos criadores e contraria Marco Civil da Internet.
Conheça o caso

O embate jurídico virtual iniciado em dezembro entre advogados de defesa do Prefeito de São Paulo, João Dória e uma página de evento do facebook parece longe de finalizar.
Mas esquenta debate sobre Marco Civil da Internet e o direito à privacidade.
Tudo começou em 5 de dezembro de 2016.
Quando antes da sua posse, o Prefeito Dória anunciou mudanças nas festividades do tradicional evento Virada Cultural de São Paulo.
Conhecido como um dos maiores festivais de rua do Brasil, não seriam mais realizados no centro da capital, mas seriam descentralizados.
Conforme nota da assessoria de Dória, os festejos seriam transferidos para o Autódromo de Interlagos, na zona sul da capital.
“Vamos deslocar a Virada Cultural para um único local e não vai ser o centro da cidade.
Vamos fazer a Virada Cultural acontecer em Interlagos, 24 horas, com segurança, com transporte, com conforto e sem os transtorno.
Que, infelizmente, pela dimensão que ela assumiu, ela proporciona” , declarou Dória.
A medida virou polêmica e no mesmo dia, a fan page “Deixe a Esquerda Livre” criou o evento denominado:
“Virada Cultural na casa de João Dorian (sic) com sessão de abraços em Bia Dorian [primeira-dama do município]”.
O evento marcado para acontecer no dia 13 maio, já tinha 6.600 usuários da rede confirmados e cerca de 15 mil interessados.
Não demorou para a gestão de Dória voltar atrás na decisão, e um dia após a declaração, acabou voltando atrás.
Ela informava que o evento continuaria a ocorrer na região central da capital paulista, mas com limitação na programação.
E a disputa, como ficou?
E o embate entre Dória e a página seguiram por cerca de 4 meses.
Quando no dia 06 de abril, o juiz da 22ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, Fernando Henrique de Oliveira Biolcati, publicou a sentença de que o evento da página poderia acontecer.
E ainda, a página poderia continuar no ar, mas o Facebook deveria fornecer as informações das máquinas dos administradores da página, assim como os textos e memes publicados.
Segundo o Artigo 22 da Lei nº 12.965 de 23 de Abril de 2014, a orientação do Juiz é contrária ao que determina o artigo.
A parte interessada pode “ requerer ao juiz que ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão.
Ou de registros de acesso a aplicações de internet.”
Isso, a partir de que se “fundados indícios da ocorrência do ilícito”.
Entretanto, o juiz entendeu na mesma decisão que o evento é uma manifestação legal.
“O autor [Doria] é empresário de renome, com programas de televisão e prefeito da cidade de São Paulo.
(…) A quem pretende ocupar cargo público, principalmente eletivo, os limites entre vida privada e aquilo considerado de interesse social são mais tênues. (…)
No evento designado ‘Virada Cultural na Casa do João Dorian’, busca-se somente determinar uma forma de protesto contra o autor.
Diante de sua alegação de que a Virada Cultural de São Paulo seria transferida para o autódromo de Interlagos, inexistindo mínimo indício de que se destine o evento à balbúrdia.
Aliás, dificultar ou impedir, por via transversa, manifestação de cunho político e reivindicatório.
Sob o argumento da perturbação pública, significa afronta à base do Estado Democrático do Direito, estabelecida no artigo 1º, da Constituição Federal”.
Na decisão, o Juiz Biolcati afirma que o direito de reunião pacífica é assegurado a todos, desde que não impeça que outros previamente marcados, aconteçam no local.
Os administradores da página, de 28 e 47 anos de idade, receberam da defesa do prefeito a seguinte mensagem:
“Notificamos vossa senhoria para que exclua de seu perfil o conteúdo ofensivo e criminoso.
Que veicula mensagens e imagens em alusão ao senhor João Doria, sob pena de responder pela prática das seguintes infrações penais:
perturbar alguém, o trabalho ou o sossego alheios
(…) e causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana.
ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora. (…)
Por fim, registramos que seu perfil, mensagens, compartilhamentos e demais informações da rede já foram devidamente arquivados.
Para subsidiar ação penal pela prática das infrações.
Caso não retire todas as referências ao ofendido no prazo de 48 horas contadas da leitura desta mensagem”.
A defesa do prefeito Dória fundamentou a mensagem com as seguintes palavras:
“antes do ajuizamento de qualquer ação judicial, os advogados têm a opção de interpelar a parte adversa para que providencie o cumprimento da obrigação”, esclareceu.
O advogados favoráveis à página sugeriram aos administradores publicar que o evento era fictício.
“Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência”.
Trazendo em letras maiúsculas, na descrição do evento.
Decisão contrária ao artigo 22 do Marco Civil da Internet

Segundo o advogado Ronaldo Lemos,um dos idealizadores do Marco Civil da Internet brasileira.
E diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, mestre em direito por Harvard e representante do MIT (Massachusetts Institute of Technology) Media Lab no Brasil,
“O direito de manifestação está protegido pela Constituição no artigo 5º, que trata dos direitos e garantias fundamentais.
No caso em questão, não se trata nem sequer de manifestação em si, mas de convocação para uma manifestação futura, que pode ocorrer ou não.
Esse direito de convocação, desde que seja feito nos termos da lei, está plenamente protegido dentro das regras de liberdade de expressão.
O pedido dos advogados não faz nenhum sentido jurídico”.
A defesa de Dória por meio de e-mail informou que a sentença do juiz foi motivo de embargos declaratórios (quando, na sentença ou acórdão, houver obscuridade, contradição, omissão ou dúvida).
E que assim que a decisão for publicada será encaminhado um recurso especial.
Facebook e o amparo no Marco Civil da Internet
Quanto a ordem judicial solicitando ao facebook os números de IPs das máquinas dos criadores da página, o advogado de Dória irá exigir que se cumpra a norma.
A rede social por sua vez, não quis declarar nada sobre o assunto, mas será a responsável por entregar os dados a justiça.
Contudo, sabe-se que o facebook costuma amparar-se no Marco Civil da Internet para divulgar dados privados de seus usuários.
E como a decisão não segue a lei federal, compreendendo que não há infração cometida pelos donos da página.
As informações não devem ser entregues.
“O Marco Civil da Internet deixa bem claro que a regra geral é a privacidade.
Nesse caso, o próprio juiz disse que não há ilícito.
Dessa forma, não faz nenhum sentido a entrega dos dados. Essa decisão viola o Marco Civil”, declara Lemos.
“O caminho correto é recorrer da decisão, que foi proferida pelo juiz singular de primeira instância.
É preciso assim solicitar ao Tribunal de Justiça que reforme a decisão, fazendo valer o Marco Civil “, finaliza.
Bem, a discussão sobre a fragilidade da privacidade na internet é um problema que está apenas começando.
Mas é preciso ficar atento, pois muitas ações judiciais vêm mexendo com os princípios do Marco Civil da Internet.
Por outro lado, esses princípios passam pela ausência de registros e negativa de pedidos de acesso a dados.
E portanto, abusos podem ser cometidos e questionados judicialmente.
Contudo, o que não se pode perder é que a internet veio para ser um espaço livre e democrático.
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